Por: Malu Sousa | Comunicação SDS
Dentre as razões estão a baixa cobertura vacinal e o desconhecimento da doença. O cenário traz desafios para a Vigilância.
Com um último caso registrado em julho de 2015, no Ceará, o Brasil ganhou em 2016 o certificado de eliminação do sarampo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A conquista durou três anos, até 2019, quando um surto da doença resultou na perda da certificação de “país livre do vírus do sarampo”, dando início a novos surtos, frente à confirmação de mais de 20 mil casos.
A única forma de prevenção do sarampo é a vacina, por isso a baixa cobertura vacinal é apontada como fator definitivo para a doença ter retornado ao País. A meta de vacinação contra o sarampo é de 95%, mas, desde 2017, a vacina tríplice viral registra números de cobertura insuficientes. Segundo o Ministério da Saúde, a primeira dose caiu de 93,12%, em 2019, para 70,52%, em 2021. Já a segunda dose sofreu baixa de 81,55% para 49,31%, no mesmo período.
O Ministério da Saúde enumera pelo menos nove razões para a queda dos números de vacinação no Brasil. Dentre eles, a percepção de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram, o que favorece a ocorrência de casos como os de sarampo. Há, ainda, desconfianças em relação aos serviços informatizados de registro de vacinação – movimento negacionista de riscos de doenças e dos benefícios de imunizantes.
O epidemiologista e coordenador da Sala de Situação em Saúde (SDS), Jonas Brant aponta a pandemia de Covid-19 como uma das causas da baixa cobertura vacinal. “Durante a pandemia todos os esforços da sociedade foram direcionados a tentar minimizar o impacto da Covid”. Jonas afirma que esse fato aumenta muito o risco para o sarampo e esse é só um dos motivos, por isso acrescenta a comunicação de risco como essencial para o combate, inclusive, ao movimento antivacina no Brasil: “há uma necessidade de reposicionamento do sistema de saúde frente às mudanças que ocorreram na sociedade”, comenta.
Nesse sentido, o coordenador pondera que a comunicação de risco atua para alertar as pessoas sobre o risco que estão correndo, além de mostrar a importância de manter altas coberturas vacinais até que a doença seja eliminada e, de preferência, erradicada do mundo. “Temos que explicar o risco para que entendam que a vacinação é mais do que uma proteção individual, é uma proteção coletiva. Com a comunicação de risco é possível mitigar muitos problemas, como os de movimentos relacionados ao desconhecimento do real, dos fatos científicos e que acabam por levar à construção de mitos sobre a vacinação, gerando barreiras que dificultam a busca ativa por vacinas”, menciona.
Além disso, o desconhecimento geral da doença se estende até mesmo a profissionais de saúde. “Nós temos uma doença que foi eliminada das Américas e que desde do início dos anos 2000 o número de casos é muito baixo. Dessa maneira, não há uma a formação da última geração de médicos do país, não conheceram essa doença. É importante aumentar a sensibilidade desses profissionais para que eles consigam diagnosticar ou suspeitar de sarampo”, afirma.
Conforme o epidemiologista, o conhecimento dos reais riscos que a pessoa corre, a melhoria no acesso ao sistema de saúde e a necessidade de buscas ativas dessas unidades de saúde, para que se conheça a comunidade, como imprescindíveis para garantir a alta cobertura vacinal. Trata-se de uma enfermidade que é uma das principais responsáveis pela mortalidade infantil em países do Terceiro Mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Medidas de prevenção e controle
Para prevenir e controlar possíveis surtos de sarampo no Brasil, é preciso reforçar a manutenção de altas coberturas vacinais para as duas doses da vacina tríplice viral, além de um sistema de vigilância robusto e ágil na identificação, investigação e contenção dos casos suspeitos, com resposta rápida.
Dessa maneira, a interrupção da circulação endêmica do sarampo se dará através ações de enfrentamento realizadas em tempo oportuno, de maneira articulada entre a vigilância epidemiológica, a imunização, e a atenção à saúde. Para tanto, o apoio dos gestores locais é imprescindível para que as ações propostas sejam bem-sucedidas, evitando a ocorrência de novos casos e protegendo assim a saúde da população.
Além do mais, os trabalhos contra o sarampo, no Brasil, se devem muito a um esforço iniciado em 1991, a partir da criação do então Programa Nacional de Controle do Sarampo, do qual faz parte o Laboratório do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)/Fiocruz. O objetivo é contribuir para a definição de estratégias de controle e posterior eliminação do agravo. Ao longo de 30 anos, o Laboratório capacitou profissionais que atuam na vigilância epidemiológica e na vigilância laboratorial para um correto diagnóstico e interpretação dos resultados.
Somando-se aos esforços de fortalecimento de vigilância epidemiológica, a Associação Brasileira de Profissionais de Epidemiologia de Campo (ProEpi) em parceria com o CDC/TEPHINET, lançou o curso Go.Data para sarampo. A proposta tem por objetivo apresentar o cenário epidemiológico do sarampo, as recomendações internacionais para eliminação e a ferramenta Go.Data. Ela busca facilitar a investigação de surtos e epidemias e pode ser utilizada para rastreamento de contatos de sarampo.
Os desafios para a Vigilância em Saúde
A volta dos surtos de sarampo traz desafios à vigilância: monitoramento das ações de prevenção e controle, identificação de grupos de risco e planejamento das intervenções, considerando a diversidade da população do país. Para a vigilância em Saúde Pública, por exemplo, a vigilância ativa representa uma ação fundamental para potencializar a qualidade de vida dos cidadãos. Dentro de suas competências, a vigilância em saúde deve incluir estratégias para a educação permanente acerca do processo de vacinação, considerando estudos e pesquisas recentes.
A vigilância do Sarampo é baseada na vigilância de doenças exantemáticas, que são doenças com sintomas muito semelhantes. Então, os casos são testados para várias delas (como sarampo ou rubéola) até que seja detectado de fato uma delas e sejam desencadeadas as ações de bloqueio. Jonas Brant cita que é importante que essas ações sejam rápidas, já que o contágio é muito acelerado. O rastreamento de contatos e a vacinação são fundamentais para conter surtos da doença. Ferramentas como o Go.Data também são estratégicas porque ajudam a organizar as informações de rastreamento dos contatos, evitando a ocorrência de possíveis casos.
Uma das vantagens da vigilância do Sarampo é o fato de que há poucos casos assintomáticos. Em geral, a maioria dos casos apresenta sintoma e isso facilita muito o rastreamento quando comparado com outras doenças, como no caso da Covid 19. Há mais chances de rastreamento e, consequentemente, de rompimento da cadeia de transmissão. Para Jonas, essa vigilância foi fragilizada durante a pandemia, já que os esforços de saúde foram destinados em sua maioria ao enfrentamento da Covid 19.
Campanha Nacional de Vacinação e combate à desinformação
Os profissionais de saúde podem trabalhar com estratégias de combate à desinformação. A diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, comentou em coletiva de imprensa que “a desinformação é uma das mais sérias ameaças à saúde”. Cada pessoa que hesita em tomar a vacina pode “se tornar parte de tristes estatísticas de casos de doenças que podem ser prevenidas por meio da vacina”. É importante que todas as pessoas de 12 meses até 59 anos de idade estejam vacinadas contra o sarampo, de acordo com as indicações do Calendário Nacional de Vacinação. Estratégias de combate à desinformação também são medidas de prevenção da doença. Profissionais devem orientar a população sobre as medidas de biossegurança individuais e coletivas e sobre a desinformação sobre as vacinas.
No início deste mês, o Ministério da Saúde prorrogou a Campanha Nacional de Vacinação contra Sarampo até 24 de junho, com o objetivo de aumentar a cobertura vacinal para a doença. Iniciada em 4 de abril, a campanha tem como públicos prioritários os trabalhadores da saúde e crianças de 6 meses a menores de 5 anos de idade (4 anos, 11 meses e 29 dias), que podem ser vacinados em absolutamente todos os postos de saúde do Brasil.
De acordo com o informativo de imunização elaborado pela SES-DF, na capital federal, o público-alvo, portanto, representa 182.357 crianças. A meta é vacinar, no mínimo, 95% dessas crianças (173.239). Contudo, entre 4 de abril e 3 de junho 47.211 doses foram administradas no Distrito Federal para crianças de 6 meses a menores de 5 anos de idade (81,7%), trabalhadores da saúde (17,9%) e adolescentes e adultos (0,3%).
Os dados do documento apontam que, para todos os intervalos de idade, a proporção de vacinados está bem abaixo da meta. A cobertura vacinal de crianças de 6 meses a 1 ano é a maior até o momento, com 34,5%. Já a cobertura vacinal do Distrito Federal é de 21,2%.
Referências:
Guia de vigilância epidemiológica 2021 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Guia_Vig_Epid_novo2.pdf
Página Opas sobre sarampo https://www.paho.org/pt/topicos/sarampo
https://agencia.fiocruz.br/brasil-recebe-da-opas-certificado-de-eliminacao-de-sarampo
https://portal.fiocruz.br/noticia/sarampo-de-volta-ao-mapa