Epidemiologistas da SDS/UnB alertam que vacina não é motivo para afrouxar medidas de controle e prevenção no cenário atual
Texto: Fernanda Angelo
Imagem: Mauro Campello/Fiocruz Imagens
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou que a nova cepa de Manaus (AM), variante do novo coronavírus (Sars-Cov-2), já foi identificada em oito países: Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Alemanha, Coreia do Sul e Irlanda. Além de circular em outros continentes, a variante, nomeada de P.1, também já está em São Paulo (SP) e foi detectada em pessoas que tinham histórico de viagem ou residência em Manaus. Provavelmente, segundo especialistas, a nova cepa já está por todo o país. Sabe-se pouco sobre ela, inclusive, se compromete a eficácia das vacinas adotadas atualmente no Brasil. Mas, epidemiologistas da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB/SDS) reforçam que ainda é preciso manter as medidas de biossegurança, mesmo com a aplicação das vacinas; evitar a circulação do vírus, com isolamento social; e que o Brasil precisa fortalecer a vigilância genômica de vírus.
De acordo com o epidemiologista e coordenador da SDS/UnB, Jonas Brant, devido ao pequeno número de sequenciamento de cepas virais no Brasil, o que indica as possíveis mutações no material genético do vírus e suas características, não é possível, de fato, concluir que a nova cepa já se espalhou pelo país. Porém, ele acredita que, provavelmente, a P.1 circule em grande número no território nacional. Segundo Brant, um fator que explica essa hipótese é que a malha de transporte no Brasil tem funcionado normalmente, sem estratégia de contenção.
Baseado em estudos já comprovados na Inglaterra, especialistas acreditam que é possível que o comportamento da variante lá existente, com maior transmissibilidade, seja semelhante à brasileira que, somada a outros fatores como a fragilidade do sistema de saúde do Amazonas, tenha fortalecido o colapso em Manaus. “As mutações ocorrem na mesma direção, com alterações na proteína Spike – responsável por ligar o vírus às células humanas. Na Inglaterra, após alguns meses do surgimento da variante, a grande maioria dos casos que começaram a dominar o país era da nova cepa”, explica o coordenador da SDS/UnB.
O epidemiologista esclarece que essas mutações são naturais e ocorrem quando o vírus se multiplica e provoca pequenas alterações no seu código genético. Segundo ele, alguns tipos de vírus têm a capacidade maior de mutar, então eles sofrem um número maior de modificações genéticas. A grande maioria delas são deletérias, ou seja, acabam matando o próprio vírus, pois o tornam inviável. No entanto, algumas como as que têm sido detectadas, mantêm esse vírus em circulação e podem facilitar a forma com que ele transmite. “É por isso que elas são preocupantes. Precisamos fortalecer a vigilância genômica no Brasil, para chegar a um nível com possibilidades de acompanhar a evolução dos genes do vírus, como nos países da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália, por exemplo, que têm feito um acompanhamento muito mais ativo dessas mutações no coronavírus”, explica Jonas.
Para tentar evitar que o vírus sofra mutações, o ideal é fazer com que ele circule menos. Jonas Brant reforça que quanto menos ele infectar e quanto mais isoladas as pessoas que forem infectadas ficarem, menor a chance de ocorrer a mutação. “Já foram descritas mutações importantes na Inglaterra, África do Sul e Brasil, por exemplo. Isso porque existe grande circulação do vírus em todos esses países. Dessa forma, há probabilidade que se tenha uma mutação viável para o vírus ganhar velocidade, mais letalidade e mais chances de infectar o ser humano”, reforça
Prevenção e controle
Apesar da aplicação de vacinas contra o coronavírus no país, as medidas de prevenção e controle da covid-19 devem continuar, ainda mais com a nova cepa circulando. Os cuidados são os de sempre: uso de máscaras, distanciamento social, boa ventilação dos ambientes, higiene das mãos com sabão ou álcool 70% e não tocar o rosto com as mãos sem higienizá-las antes. “O grande desafio neste momento é chamar a atenção da população para manter as medidas de biossegurança no dia a dia. É bom frisar que quem não se infectou até agora é porque, por acaso, não entrou em contato com o vírus, mas se não adotar as medidas de biossegurança, a probabilidade de isso ocorrer é muito maior”, alerta o especialista.
Vacinas
A maior parte das vacinas de combate ao coronavírus são desenvolvidas contra a proteína Spike, aquela já mencionada e responsável por ligar o vírus às células dos seres humanos. Porém, o epidemiologista Jonas Brant explica que existe uma preocupação dos cientistas que essas mutações permitam que a vacina não consiga produzir anticorpos para atingir o vírus devido a mudanças na Spike, a ponto de escapar da vacina e, ao mesmo tempo, conseguir infectar seres humanos. “Esperamos que isso não ocorra. Por enquanto, os estudos sugerem que elas não estão conseguindo mutar de forma a escapar da imunidade gerada pela vacina, mas são questões que precisamos monitorar com o tempo”, pontua.
Segundo o epidemiologista da SDS/UnB, por enquanto, os dados sugerem que as vacinas continuam efetivas contra o coronavírus, mesmo com as mutações. Mas ele lembra que, assim como ocorre com a vacina contra a influenza, que todo o ano muda sua composição, talvez seja o caso também para a do coronavírus. “Não é desenvolver uma nova vacina e sim mudar um pouco das partes do antígeno. No caso do coronavírus, a proteína do Spike, para que possamos garantir que a vacina continue eficiente. Porém, é muito cedo para nos preocuparmos em relação a essas medidas. O momento é de pesquisarmos e tentar garantir que as nossas equipes de vigilância possam monitorar o vírus circulante, bem como as pessoas imunizadas, para perceber alguma alteração na imunidade gerada pela vacina”, conclui Jonas Brant.